Do MVP ao Investidor
Há um mito persistente que atravessa o ecossistema das startups tecnológicas como uma superstição moderna: a ideia de que um produto brilhante se vende sozinho. Que bastam funcionalidades inovadoras, um pitch com buzzwords e uma demo “impressionante” para captar mercado, investimento e atenção. Mas a verdade — a que ninguém quer ouvir em palco — é que a tecnologia, por si só, não comunica. E quando não comunica, não vale nada. Nem para o utilizador, nem para o investidor, nem para o mercado.
A maioria das startups em Portugal — e fora dele — falha não por falta de competência técnica, mas por ausência de estratégia comunicacional. Confundem presença com mensagem. Confundem frequência com clareza. Lançam landing pages cheias de frases feitas, redes sociais com posts vazios, e pitch decks que gritam inovação mas não dizem nada.
No meio disto tudo, esquecem-se de que comunicar não é um “extra”. É parte do produto. Uma camada invisível que liga o que se constrói ao que se compreende. Ao que se investe. Ao que se compra.
E é por isso que este artigo não é sobre “divulgar” uma startup. É sobre estruturá-la. Narrativamente. Estratégica e visualmente. É sobre saber o que dizer em cada fase — e, sobretudo, como dizê-lo para que se entenda, se valorize e se deseje
Fase 1 — MVP: Explicar o essencial sem prometer o impossível
O MVP não é um rascunho. É uma prova de vida. Uma amostra do que uma solução poderá ser — não no seu esplendor final, mas no seu potencial mais cru. E isso exige uma comunicação à altura: clara, enxuta, direta. Sem promessas messiânicas. Sem adornos. Mas também sem esconder o que pode tornar aquela solução relevante no mundo real.
Aqui, o erro mais comum é querer dizer tudo. Ou pior: querer parecer “grande” quando ainda se está a validar. Startups que apresentam o MVP como se já estivessem em série C, cheias de números descontextualizados, frases como “disruptivo” ou “inteligência artificial” coladas a projetos que mal têm users ativos.
Um MVP deve comunicar três coisas com precisão cirúrgica:
O problema que resolve
E não o problema genérico do mundo. O problema específico, real, identificável.
A forma como o resolve
Não em detalhe técnico, mas no ponto-chave que distingue a abordagem.
Porquê
agora
O que torna este momento (mercado, tecnologia, contexto) propício a esta solução.
Nada mais.
Tudo o resto — missão, propósito, ambição — pode esperar. Porque nesta fase, o que interessa é mostrar que há lógica, há tração mínima e há clareza de foco.
Ferramentas úteis para comunicar um MVP (sem fingir que é mais do que é):
- One-pager claro (problema, solução, diferenciação, call to action)
- Landing page funcional (design leve, mensagem objetiva, sem scroll infinito)
- Pitch deck de 5 a 7 slides (problema, solução, modelo, diferenciação, pedido)
- Demonstração realista do produto (screenshots ou protótipo navegável — nunca mockups vazios)
Se a startup não consegue dizer, em 30 segundos, a quem se destina, o que resolve e porquê faz sentido — então não tem um MVP. Tem um rascunho com vaidade.
E é aqui que a comunicação deixa de ser um “serviço” e passa a ser parte da própria fundação da startup. Se não sabe explicar bem, não vai conseguir escalar. Nem convencer. Nem captar.
Fase de Tração: Ganhar confiança sem parecer arrogante
Chegar à tração é conquistar o privilégio de ser levado a sério. É deixar de ser hipótese para passar a ser evidência. Mas essa transição — de promessa a realidade — traz uma nova exigência: mostrar o progresso com precisão, sem exagero; com solidez, sem triunfalismo.
É aqui que muitas startups falham pela segunda vez. Porque confundem tração com palco. Porque trocam clareza por vaidade. Começam a usar métricas ocas — “mais de mil visitantes”, “várias conversas com investidores” — como se o mercado fosse estúpido. Esquecem-se de que um bom número mal explicado vale menos do que um número pequeno com contexto.
Nesta fase, a comunicação deve fazer três coisas:
Validar os sinais de crescimento com dados reais e mensuráveis
Não vale “estamos a crescer bem”, vale “Temos uma base de 1.200 utilizadores ativos, com crescimento médio de 8% ao mês desde janeiro e uma taxa de retenção a 30 dias que ultrapassa os 60%”.
Validar os sinais de crescimento com dados reais e mensuráveis
Não vale “estamos a crescer bem”, vale “Temos uma base de 1.200 utilizadores ativos, com crescimento médio de 8% ao mês desde janeiro e uma taxa de retenção a 30 dias que ultrapassa os 60%”.
Unificar a presença digital e tom de voz
O que se diz no site tem de alinhar com o que se publica nas redes, com o que se responde aos media e com o que se apresenta em pitch.
Ferramentas úteis nesta fase (para comunicar com força, não com barulho):
- Página “Sobre” profissional e atualizada no website, com equipa, missão, marcos e próximos passos
- Newsletter com updates reais e regulares, sem “inspirational fluff”
- Perfil de LinkedIn com conteúdo estratégico, publicado com consistência, não frequência
- Press release com lógica de relevância, se houver milestones claros (ronda, parceria, lançamento)
E uma nota importante: nesta fase, o maior erro não é parecer pequeno. É parecer incoerente. Uma identidade gráfica impecável com um produto mal descrito. Um site bem desenhado que remete para redes sociais abandonadas. Um deck cheio de buzzwords que entra em conflito com a linguagem do pitch ao vivo.
Tração comunica-se com maturidade. Na forma como se escolhe o que dizer. E, sobretudo, na forma como se sabe o que calar.
Fase de Pitch a Investidores: Estratégia, não espetáculo
Chegar ao pitch é, para muitas startups, o momento mais teatral do percurso. Slides animados, gráficos com curvas exponenciais, buzzwords que se atropelam umas às outras. Fala-se de “escalar”, de “revolucionar”, de “redesenhar paradigmas” — e raramente se responde, com clareza, à pergunta mais simples: porquê investir agora nesta equipa, neste produto, neste mercado?
A apresentação a investidores não é um espetáculo para impressionar. É um teste à solidez da narrativa. Uma entrevista à maturidade estratégica da marca. E é aqui que muitos caem — não por falta de potencial, mas por excesso de encenação.
Um bom pitch não começa com um PowerPoint. Começa com um raciocínio.
O que um investidor experiente procura não é a história perfeita — é a história que faz sentido sob pressão. Que aguenta perguntas duras. Que não desmonta à primeira contradição entre produto, equipa e mercado.
Os pilares de um pitch que funciona:
Visão clara
para onde se quer ir e por que razão isso faz sentido agora
Equipa com propósito
mais do que perfis, a lógica da escolha de cada elemento.
Prova de tração
com dados credíveis, contexto e honestidade.
Mercado validado
números, tendências e oportunidade real.
Modelo de negócio plausível
simples, escalável e alinhado com o produto.
Pedido concreto e justificado
quanto, para quê, com que impacto e em que horizonte.
O que evitar:
- Slides cheios de texto técnico que ninguém lê.
- Frases vagas como “já estamos em conversações com grandes players”.
- Projeções financeiras com duplicações mensais sem base.
- Design “bonito” que escondefalta de substância.
Dica útil:
- Se o investidor não conseguir repetir o vosso “pitch core” em duas frases depois da reunião, a culpa não é dele — é vossa.
Pitch não é performance. É síntese. É clareza. É saber cortar o ruído até sobrar apenas aquilo que importa: o valor real da proposta, a solidez da equipa e a visão que liga as duas.
Se a comunicação chega aqui com truques em vez de raciocínio, então a startup não está pronta para crescer — está pronta para falhar com estilo.
Erros clássicos de comunicação em startups tech
Comunicar mal não significa apenas dizer pouco. Muitas vezes, significa dizer demais — ou dizer mal. E no universo das startups tecnológicas, onde o tempo é escasso e a atenção ainda mais, os erros repetem-se com uma regularidade quase litúrgica.
Não são falhas de orçamento, nem de intenção. São falhas de pensamento. E por isso são tão perigosas — porque parecem inofensivas. Porque se tornaram comuns. Porque ninguém as questiona.
Eis os mais frequentes:
Falar só de funcionalidades — e nunca de valor
Listar features não é comunicar. Uma startup que apresenta “integração com API” ou “machine learning preditivo” sem explicar no que isso beneficia o utilizador está a falar sozinha.
Usar jargão técnico como simbolo de autoridade
Se uma frase só pode ser compreendida por developers, não está a vender — está a afastar. O desafio da comunicação não é parecer inteligente. É tornar o complexo inteligível.
Ter imagem forte mas mensagem fraca
Sites com grande design mas sem hierarquia de conteúdo. Vídeos bonitos que não dizem nada. Campanhas visuais que não deixam rasto. Comunicação sem substância é estética sem intenção.
Lançar conteúdo sem plano — ou com planos que mudam todas as semanas
A falta de consistência não se nota no primeiro mês. Mas mina a confiança ao terceiro. Uma marca que comunica sem direcção acaba por parecer perdida. E ninguém investe em quem parece estar à deriva.
Ignorar a coerência entre canais
Um tom no site, outro nas redes, outro no pitch. Um logo aqui, outro ali. Nomes de produto que mudam. O público repara — e perde-se. A comunicação fragmentada dá a sensação de que o produto também o é.
Estes erros não matam uma startup de imediato. Mas enfraquecem-na de forma invisível, silenciosa, contínua. E no momento em que mais importa — quando chega a oportunidade, o investidor, o cliente certo —, a marca não tem densidade, nem clareza, nem autoridade suficiente para ser escolhida.
E tudo por um motivo simples: ninguém parou para pensar antes de falar.
Como uma assessoria de comunicação pode mudar o jogo em cada fase
Há quem veja a comunicação como algo que se delega. Algo que se “põe a alguém a tratar”. Como se fosse um departamento paralelo, distante da criação de produto, da captação de investimento ou da definição de negócio. Mas isso só faz sentido quando se pensa na comunicação como tarefa. Quando, na verdade, é arquitectura.
Uma boa assessoria não acrescenta volume. Acrescenta estrutura e intencionalidade. Não faz “mais coisas” — faz as certas, no momento certo, com a linguagem certa. E essa diferença é o que separa uma startup que comunica para se mostrar de uma que comunica para crescer.
Como pode intervir, fase a fase:
- No MVP, ajuda a tornar clara a proposta, evitar exageros e alinhar discurso e imagem.
- Na tração, unifica canais, cria consistência e dá prioridade ao que deve realmente ser dito.
- No pitch, ajuda a montar a história que resiste às perguntas — e não apenas a que brilha nos slides.
Mini-template para começar: 6 perguntas que uma assessoria ajuda a responder com clareza
(com exemplos reais de resposta para uma startup fictícia de energia: Enerbyte)
Qual o problema que resolvemos
Porque é este o momento certo para o fazer
O que nos torna diferentes de quem já tentou
Como demostramos tração
Quem é o nosso público principal
O que pedimos — e porquê
Responder a isto sem hesitações, com lógica e precisão, é meio caminho para qualquer conversa séria — seja com investidores, clientes ou parceiros.
E se a resposta a estas perguntas varia consoante quem as dá dentro da equipa, então o problema não é de messaging. É estrutural. E, nesse caso, a comunicação já não é um extra — é a linha que falta para ligar os pontos e permitir escalar sem se perder.
A tecnologia pode ser complexa. A comunicação, não.
Não há escassez de talento tecnológico em Portugal. Há escassez de estrutura comunicacional. Startups que sabem programar mas não sabem apresentar. Fundadores que explicam o código mas não conseguem sintetizar a ideia. Equipas que acumulam funcionalidades sem nunca parar para articular valor.
A comunicação não é embalagem. É uma extensão da estratégia de produto. E se a estratégia não se consegue explicar, não se consegue escalar. Uma boa tecnologia sem uma narrativa coerente não é uma startup — é um protótipo solitário.
Pior: é uma oportunidade desperdiçada.
E é precisamente aqui que a assessoria de comunicação — quando bem pensada — se torna parte da engenharia do negócio. Não como um serviço “a mais”, mas como o sistema nervoso que liga identidade, presença, produto, pitch, notoriedade e consistência.
Uma empresa que investe em comunicação estruturada não está a gastar. Está a ganhar tempo. A evitar ruído. A alinhar por dentro para crescer por fora.
Se está cansado de ver talento escondido atrás de frases vagas, de ter de explicar cinco vezes a mesma coisa a cinco públicos diferentes, ou de perder oportunidades porque a sua solução parece sempre mais difícil do que é — talvez não precise de mudar de produto. Precisa de mudar de discurso.
E para isso, não basta mais conteúdo. É preciso arquitectura.
Estratégia. Clareza. E uma equipa que saiba como transformar complexidade em convicção.